sábado, 6 de julho de 2013

Sobre a vida e o tempo


   Desde a interrupção do tratamento de combate à hepatite C, sexta-feira 3 de maio, a minha vida deu outro salto. Em primeiro lugar pela frustração de não ter conseguido matar o Flavivírus que agora se tornou uma preocupação constante na minha cabeça.
   O segundo solavanco é sobre a nova luta que tenho que enfrentar. Criar novo cenário, planejar uma nova estratégia de combate e finalmente decidir, mais uma vez, o que fazer da minha vida.
   Me reinventar!
   A opção de ficar aguardando a descoberta de novos remédios para iniciar outro tratamento me coloca no limbo! Esperar, parece ser a palavra chave do momento. Mas esperar é muito pouco, ainda mais para uma figura inquieta e curiosa como eu.
   Usei a mais moderna terapia que existe para combater o vírus (terapia tripla). Não deu certo e não posso usá-la novamente sob o risco de criar um super vírus resistente. Aí começa um embate entre a vida e o tempo. Esperar sentado é que não vou. Enquanto espero, o Flavivírus vai fazendo o seu serviço no meu "figueiredo" e o cara é aplicado!
Estou mais contrariado que gato a cabresto!

   Tons de cinza...
   Há um ano vivo em standby. Em função da terapia me privei de festas, bebidas, noitadas, viagens..enfim, de tudo que fiz a vida toda com prazer e galhardia. Me tornei refém de um tratamento que, com os efeitos colaterais dos 17 remédios diários e um Interferon semanal, não me davam a mínima chance de ser alegre ou sociável, muito pelo contrário.    A minha vida, nesse período, permeou toda a escala cromática específicamente nos tons de cinza...50 tons foram pouco!
   Isso me deixa muito mal pois, afinal, vim aqui para divertir, ser alegre e fazer os amigos felizes!

   "Viajei"
   Irriquieto, fui a Porto Alegre consultar o "papa" do assunto no Brasil e provavelmente na América do Sul, Dr. Hugo Cheinquer, hepatologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da UFRGS. Cheguei marcar a consulta e viajar uma semana antes, tal a ansiedade. Sem ter o que fazer fazer em Porto alegre...fiz festa!
   Nesta segunda-feira passada, lá estava eu novamente. O Dr. Hugo, recentemente chegado de um congresso internacional sobre Hepatite C, me disse que a doença é vista hoje como uma bomba-relógio, com o número de infectados que apresentam complicações podendo explodir daqui a alguns anos, pois em todo o mundo, estima-se que 90% das pessoas infectadas desconhecem que carregam o Flavivírus.

   Já tem cura!   Dois novos medicamentos combinados, produzidos por laboratórios diferentes, alcançaram 100% de cura em infectados por Hepatite C em grupos de experiências em vários países o mundo. O Brasil, pela primeira vez, ficou fora das experiências devido à demora da Anvisa na liberação de resultados de pesquisas.
   Estima-se que, em 2015, quase 100% dos pacientes serão curados! Hoje o número de infectados chega a mais de 170 milhões de indivíduos no mundo e cerca de 1,5 milhão no Brasil. Protagonista de uma pandemia silenciosa, a hepatite C é responsável por graves complicações como cirrose e câncer de fígado.
   Saber que não estou sozinho me deixa um pouco mais tranquilo, ahahahaha! Tem que rir para não chorar!
   Bem, imaginem a minha animação quando soube do Dr. Hugo que em 2015 já teremos os remédios no Brasil e aí, tá pelada a coruja! É a cura!!!!

- E como se chega a 2015, doutor? perguntei cheio de curiosidade.
- Com sorte, disciplina e aplicação! Respondeu.
   Imaginem a minha animação neste momento. Adoro um desafio!
   Sorte, se existe, acho que sempre tive. Disciplina, é tudo que nunca tive nem nunca quis ter. Porém, durante um ano de embate com o Flavivírus acabei descobrindo uma capacidade disciplinar fantástica. Parei de beber, de frequentar meus bares, mudei completamente o meu dia-a-dia, me afastei da turma, parei de sair à noite e tomei os remédios nos horários e tempos certos sem falhar um dia sequer! Descobri, em mim, um perfil germânico, provavelmente herdado por osmose da minha Gisa.
   Fui aplicado, guentei os nefastos efeitos colaterais da terapia sem chororô nem tre lê lê. O meu esperneio, provavelmente, foi aqui no blog quando relatava a minha "aventura".
    Ser lido e comentado por vocês, leitores, foi a melhor terapia!

   Previsão otimista
   Uma previsão otimista é de que a terapia salvadora chegue ao mercado norte americano em meados de julho de 2014 a um custo de US$ 150 mil. Alguém tem R$ 300 mil aí para me emprestar? Pago no final do tratamento...essa é boa, né?
   A rapidez da liberação do remédio no Brasil, após aprovada pelo FDA (órgão governamental dos EUA responsável pelo controle de medicamentos), vai depender de negociação com a "base aliada" em Brasília. É ali, no Congresso Nacional, que os lobystas dos laboratórios multinacionais "trabalham" para conseguir a provação dos novos medicamentos. Como os nossos políticos andam com um voracidade espantosa, vide apovação da PEC dos portos, é provavel que os medicamentos demorem um pouco para entrar no mercado brasileiro. Acho que tudo vai depender do tamanho da bala na agulha dos laboratórios.
   É asim que acontece...no Brasil.

   Tempo, vida e morte
   Bem, afora informações técnicas e científicas, também temos as questões éticas e filosóficas dessa parada toda. A cabecinha aqui não para de pensar nisso.
   O tempo, de repente, assumiu uma posição de destaque e passou a ser o elemento principal da discussão.
   Tempo de espera, tempo de vida, tempo de resistência para que o bicho não se agrande, tempo de aprovação dos remédios, tempo para o remédio chegar ao mercado, tempo que o vírus levará para fazer um estrago maior...tempo.
   A relação vida/tempo começou a habitar o meu imaginários nos últimos dias. É interessante ver que quando inveredamos por determinados caminhos do pensamento digamos, mais lúdico, as coisas vão tendo outra conformação. O mundo é mental...já dizia o meu amigo.
   Outro dia o amigo Emanuel Medeiros Vieira, colaborador do blog, enviou um poesia onde dizia que o tempo é curto, que a vida é breve...
   Enquanto fazia a edição do poema para postar no blog, lembrei de uma conversa que havia tido com a mãe, noite anterior, onde ela do alto dos seus 92 anos me dizia que achava às vezes que a vida era longa...bastante longa. A relatividade do tempo está na cabeça de cada um, o tempo é mental!
   Nessa mesma noite, madrugada a dentro, assisti um documentário sobre o cineasta alemão Werner Herzog. Herzog comentava alguns de seus filmes comoFitzcarraldo, Aguirre a Cólera dos Deuses, Fata Morgana
   Mas foi comentando Nosferatu que o alemão fechou meu pensamento sobre o binômio vida/tempo. Dizia Herzog, que no Nosferatu: Phantom der Nacht, seu personagem principal mantinha as características do vampiro original da obra de Bram Stoker. Sem caninos, com dois dentes frontais pontiagudos, totalmente careca, branco com orelhas enormes.
   Mas diferentemente do vampiro original, ele não representava somente o mal com sua aparência de inseto repugnante. O seu Nosferatu tinha um dilema existencial: sofria porque não conseguia morrer! Para ele o tempo da imortalidade era demasiado, jamais breve!

   Que tempo esse!
   Alguém tem R$ 300 mil aí?

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